A trombose venosa profunda (TVP) é um problema de saúde sério que, se não tratado corretamente, pode levar ao tromboembolismo pulmonar (TEP) e à morte.
É uma doença muito mais comum do que se pensa: estima-se que ocorram 900.000 novos casos dessa doença por ano nos Estados Unidos. E no Brasil a estatística é semelhante.
Os médicos normalmente preocupam-se bastante com esta doença porque, além de comum, ela leva a morte em até 4% dos casos quando não tratada. Seu diagnóstico e tratamento são simples, mas é preciso suspeitar do problema... e é aí que mora o perigo.
Como a trombose venosa ocorre?
A trombose venosa nada mais é do que um coágulo de sangue que se forma dentro de uma veia.
O local mais comum em que a trombose ocorre são as pernas. O coágulo de sangue normalmente se forma dentro das veias da panturilhas ou atrás do joelho e as entope, impedindo a passagem do sangue de volta ao coração. Para relembrar o funcionamento da circulação nas pernas leia os artigos: 'Problemas de circulação: como saber se eu tenho ou não?' e 'Por que eu tenho varizes?'
Em 1856, um cientista alemão chamado Rudolf Virchow descreveu uma tríade de fatores que levam a formação dos coágulos e seus conceitos são utilizados até hoje para entender como ocorre a trombose. Esses três fatores que levam à formação do coágulo são:
- Anormalidade no fluxo do sangue: quando o sangue anda mais lento do que o normal, o coágulo se forma,
- Anormalidade no próprio sangue: quando existe alguma célula ou fator da coagulação que está alterado e leva a formação do coágulo
- Anormalidade na parede da veia: quando ocorre um machucado na parede da veia, os mecanismos da coagulação são ativados para fechar o ferimento e impedir o sangramento excessivo, porém, isso também pode formar um coágulo no interior da veia, levando a trombose.
A partir desses conceitos, foram identificados os fatores de risco para a formação da trombose. Os principais são:
- Cirurgia recente (principalmente as cirurgias de grande porte)
- Imobilização (como em pessoas que têm fraturas e precisam de gesso)
- Câncer e tratamento com quimioterapia
- Hábito de fumar
- Obesidade
- Gravidez e pós parto
- Uso de anticoncepcional oral e terapia de reposição hormonal
- Viagens longas (maior que 6 horas), especialmente de avião
- Acidentes graves
- Varizes nas pernas
- Problemas com os fatores da coagulação (trombofilias)
Por que a trombose é tão perigosa e pode matar?
A trombose venosa profunda nas pernas é perigosa porque o coágulo formado na veia pode se soltar e viajar na circulação do sangue até chegar ao pulmão, causando um problema grave chamado tromboembolismo pulmonar (TEP). Quando isso ocorre, em quase 10% dos casos a pessoa morre. Muitas vezes, o primeiro sinal do TEP é a morte súbita (é chamada assim quando a pessoa morre na hora, sem ter oportunidade de receber assistência médica). A morte acontece quando o coágulo de sangue que se soltou é grande o suficiente para parar a circulação de um dos dos dois pulmões, impedindo que o oxigênio chegue ao sangue e ao restante do organismo.
Como saber se eu estou com trombose?
O principal sintoma da trombose venosa profunda é o inchaço na perna. Normalmente, este inchaço ocorre em somente uma perna, e é acompanhado de dor, sensação de peso e aparecimento de veias saltadas na perna afetada. A pessoa nota que uma perna está nitidamente maior do que a outra em circunferência.
Apesar dos sintomas estarem presentes, é imprescindível que o médico realize um ultrassom doppler venoso para identificar o coágulo dentro da veia e ter certeza de que é trombose mesmo.
Só depois de confirmada a trombose no ultrassom é que o médico pode iniciar o tratamento da trombose.
Como saber se o coágulo saiu da perna e foi parar no pulmão?
Os sintomas do tromboembolismo pulmonar são falta de ar, dor no peito, tosse e escarro com sangue. Se você está com trombose e sentir qualquer um desses sintomas, você precisa procurar um pronto-socorro o mais rápido possível. Muitas vezes, a pessoa com tromboembolismo pulmonar precisa ficar internada em uma UTI, receber oxigênio e algumas vezes até medicamentos para dissolver o coágulo.
E como é feito o tratamento?
O tratamento da trombose venosa profunda é feito com remédios que "afinam o sangue", os chamados anticoagulantes. O anticoagulante mais antigo e utilizado para iniciar o tratamento da trombose é a heparina.
A heparina é feita na veia, diluída em soro fisiológico, por isso, quando ela é escolhida para o tratamento, a pessoa obrigatoriamente tem que ficar internada no hospital.
Com o tempo, surgiu um tipo novo de heparina, chamadas heparinas de baixo peso molecular, cujo representante mais famoso é a enoxaparina (vendida no Brasil com os nomes comerciais de Clexane®, Heptron®, Versa® e Cutenox®). Esse medicamento é uma injeção que é feita na gordura da pele e por isso, pode ser administrada em casa ou em um posto de saúde. Assim, o paciente pode receber alta do hospital mais rapidamente.
O tratamento da trombose é realizado por no mínimo 3 meses de acordo com o último consenso sobre o tema (leia mais aqui), mas pode ter que ser realizado por toda a vida. Por conta disso, normalmente os médicos trocam a heparina convencional ou a enoxaparina por um medicamento tomado por via oral, em forma de comprimido.
A opção mais comum, eficiente e econômica de comprimido anticoagulante é a varfarina (vendida no Brasil com os nomes comerciais de Marevan®, Coumadin® e Marfarin®). Com este medicamento, o paciente, após um período de transição, fica livre das injeções. Só que há alguns inconvenientes: esse remédio precisa de um controle rígido da dose com exames de sangue freqüentes e vários alimentos e medicamentos interferem em sua ação.
Quem toma varfarina tem que visitar o médico muitas vezes no período de tratamento, fazer muitos exames de sangue para saber se a dose do remédio está correta e evitar os alimentos que contenham vitamina K e uma lista imensa de medicamentos. Se não seguir a risca estas recomendações, tem risco de ter uma nova trombose, ou pior, ter um sangramento grave (como um derrame na cabeça). Falei mais sobre isso no post "O que a pessoa que está tomando anticoagulante não pode comer? ".
Pensando nesses inconvenientes, a indústria farmacêutica criou novos medicamentos que não precisam de controle com exames e têm menos restrições de alimentos e medicamentos. Entre os novos anticoagulantes temos: dabigatrana (Pradaxa®), rivaroxabana (Xarelto®), apixabana (Eliquis®) e edoxabana (Lixiana®). Esses remédios foram aprovados para uso pelo Ministério da Saúde entre 2013 e 2016. Em 2016, uma nova diretriz sobre o tratamento da trombose foi publicada na revista médica "Chest" e eu fiz um post sobre isso, que você pode ler clicando aqui.
O uso de anticoagulantes, seja qual tipo for, deve ser acompanhado de perto pelo médico. Todos eles podem causar sangramentos graves e até a morte se usados de forma incorreta. Portanto: muito cuidado!
Além dos remédios é importante utilizar as meias elásticas de compressão para diminuir o inchaço e favorecer o retorno venoso, realizar caminhadas frequentes ou exercícios de movimentação dos pés e, quando em repouso, colocar as pernas para cima.
Hoje em dia não é mais recomendado ao paciente com trombose ficar deitado na cama o tempo todo! Lembre-se de que ficar sem se movimentar piora o retorno do sangue pelas veias e pode levar a aumento da trombose ou ainda trombose em outras veias.
A pessoa com trombose precisa fazer alguma cirurgia nas veias?
Algumas vezes a cirurgia é necessária para amenizar os sintomas da trombose. Principalmente quando a trombose acomete veias maiores como as veias ilíacas e a veia cava. Nesses casos, o médico pode optar por fazer uma cirurgia para dissolver ou retirar o coágulo de dentro da veia.
A cirurgia para dissolver o coágulo (trombólise intravenosa) é feita através de uma punção na veia afetada pela qual é passado um cateter até onde está o coágulo. Por este cateter, o médico vai infundir um medicamento que dissolve o coágulo. Essa infusão é muito lenta e pode demorar mais do que um dia e, durante este período, a pessoa normalmente fica internada na UTI por causa do risco de ter sangramentos graves.
Uma outra possibilidade é retirar o coágulo da veia através de uma incisão na região da virilha, através da qual o médico chega na veia afetada e passa um cateter com balão. Esse cateter retira o coágulo de dentro da veia (essa cirurgia é chamada de trombectomia venosa). Descrevi os detalhes sobre as cirurgias para trombose no post "Quando deve ser feita cirurgia para trombose?".
Com o tempo, o paciente que teve uma trombose pode evoluir com um quadro de insuficiência venosa crônica, que pode levar ao aparecimento de varizes, escurecimento da pele da perna e até feridas (falei sobre isso no post 'Por que eu tenho varizes?'). Sendo assim, muitas vezes a pessoa que tem uma trombose no futuro vai precisar de uma cirurgia para retirada de varizes das pernas. Saiba mais detalhes sobre a cirurgia para varizes no artigo 'Como tratar varizes nas pernas?'.
Como prevenir a trombose?
Em primeiro lugar, devemos evitar o que dá para ser evitado! Parar de fumar, evitar o ganho de peso excessivo e realizar exercícios físicos regulares. Durante viagens longas, é importante movimentar os pés com freqüência, procurar levantar do assento a cada 1 ou 2 horas e usar meias elásticas de compressão.
Para aqueles que vão realizar uma cirurgia grande, existem vários métodos de ser evitar a trombose que são indicados pelo médico cirurgião. Os principais são o uso de meias de compressão e aparelhos de compressão pneumática das pernas durante o procedimento e o uso de heparina por via subcutânea nos dias subseqüentes à cirurgia. O mesmo vale para pessoas que ficam muito tempo deitadas ou que sofreram algum acidente grave: essas pessoas também vão precisar usar um desses métodos.
Resumindo, a trombose venosa é uma doença muito séria que precisa de acompanhamento de perto de um médico cirurgião vascular para evitar ou amenizar as conseqüências do problema, como o tromboembolismo pulmonar, varizes, escurecimento da pele da perna e até feridas. O diagnóstico é feito pelo exame físico da perna, que mostra inchaço, e pelo ultrassom doppler venoso. E a base do tratamento são os medicamentos anticoagulantes, a meia elástica de compressão, a movimentação da musculatura da panturrilha e o repouso com as pernas para cima. Às vezes, também são necessárias cirurgias, especialmente nos casos mais graves.
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Sobre a autora
Dra. Juliana Puggina é médica cirurgiã vascular e escreve artigos informativos no blog 'Pernas pra que te quero'. Formada em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com residência médica em Cirurgia Vascular e Doutorado em Ciências (Ph.D.) pela Universidade de São Paulo (USP). Membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e da American Vein & Lymphatic Society.
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