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Foto do escritorJuliana Puggina

Dor nas pernas para andar: saiba tudo sobre doença arterial periférica

Atualizado: 17 de jul. de 2022


Dor nas pernas para andar pode ser sinal de obstrução das artérias

A dor nas pernas para caminhar pode ser indício de obstrução das artérias das pernas. Geralmente, este problema acomete pessoas acima de 50 anos e acontece devido a deposição de placas de gordura e cálcio nas artérias: a temida aterosclerose. Nesse artigo vamos tratar exclusivamente desse problema.


Aterosclerose: a origem do problema


A aterosclerose é uma doença silenciosa. Ela não causa dor ou qualquer sintoma na pessoa que a possui. Somente quando a placa de gordura e cálcio aumenta muito a ponto de causar um entupimento de alguma artéria é que os sintomas começam a aparecer. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2011, as duas principais causas de morte no mundo são relacionadas à aterosclerose: infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (derrame). Essas duas doenças juntas corresponderam a 24,3% de todas as mortes registradas no mundo em 2011 (leia mais aqui). Em outras palavras: um quarto das pessoas que morreram em 2011, morreram por causa da aterosclerose. Esse dado é muito chocante.

Já falei um pouco sobre esse tema nos artigos: 'Problemas de circulação: como saber se tenho ou não!' e 'Dor nas pernas e suas causas'.


Quando a aterosclerose acomete as artérias que irrigam as pernas, o caso não é tão grave quanto quando acomete o coração ou as as artérias do pescoço e cérebro (que podem matar) porém, pode causar incapacidade para andar e até amputação da perna.

Os fatores responsáveis pelo desenvolvimento da aterosclerose são relacionados ao nosso estilo de vida, especialmente com a má alimentação, a falta de exercícios físicos, a obesidade e o tabagismo. Além disso, doenças crônicas como o diabetes e a hipertensão arterial também contribuem para a formação de placas de gordura nas artérias quando não são tratadas de forma adequada.

O acúmulo de gordura nas suas paredes leva ao entupimento das artérias

A formação das placas de aterosclerose dentro das artérias começa com a agressão da camada de dentro do vaso sangüíneo: o endotélio. Essa agressão é causada pelas toxinas presentes no cigarro ou pela pressão sangüínea muito alta ou pela alta concentração de glicose no sangue que ocorre no paciente diabético. Quando o endotélio das artérias é agredido, fica mais fácil a entrada de partículas de gordura e de colesterol ruim (LDL). A gordura e o colesterol ficam presos na parede da artéria, levando a formação de placas de gordura. Isso ocorre no corpo todo, em todas as artérias.


Para se defender, o organismo forma camadas de fibrose e de cálcio por cima dessa gordura. Se a pessoa mantiver os fatores de risco, cada vez mais gordura se acumula e em um determinado momento, ocorre a obstrução da artéria.


Além disso, mesmo quando a placa de gordura ainda não obstruiu totalmente o vaso, pode acontecer sua ruptura, liberando um fragmento que vai viajar pela corrente sangüínea até ficar preso em algum vaso menor. Chamamos este fenômeno de ateroembolismo.


Quando uma artéria é obstruída, ela é incapaz de levar o sangue cheio de nutrientes e oxigênio para as células de uma determinada região. Sem sangue e sem nutrientes e oxigênio, as células morrem.


E é por isso que a obstrução das artérias do coração levam ao infarto, a obstrução das artérias do cérebro levam ao derrame (AVC) e a obstrução das artérias da perna levam à gangrena e amputação.


Quando essa obstrução ocorre devagar, o organismo se adapta lentamente, produzindo novos vasos que, apesar de menores, conseguem levar o sangue até as células. Isso é chamado de circulação colateral.


Obstrução das artérias das pernas e a dor para andar


Quando a aterosclerose acomete as artérias das pernas, o sangue tem dificuldade de chegar na musculatura que usamos para caminhar. Mas, como expliquei acima, aos poucos o organismo vai criando outros caminhos para o sangue atingir seu destino.


Sendo assim, existem muitas pessoas com obstrução completa da circulação arterial para uma ou até para as duas pernas que não sentem absolutamente nada. Nesses casos, a circulação colateral é suficiente para manter as células musculares vivas e funcionando de forma adequada.


Porém, algumas vezes, o sangue que chega e suficiente para manter as células vivas mas, quando há uma exigência maior, como caminhar, o sangue já não é suficiente.

Quando falta oxigênio, as células musculares utilizam um recurso chamado respiração anaeróbia para produzir a energia necessária para movimentar o músculo. Nessa modalidade do metabolismo celular, o oxigênio não é necessário, porém ocorre a produção de substâncias tóxicas como o ácido lático.

A claudicação intermitente, ou dor para caminhar, é conseqüência da obstrução das artérias das pernas

O ácido lático em contato com as terminações nervosas da musculatura gera DOR.


Sendo assim, quando a pessoa que tem obstrução arterial anda, ela sente dor. Essa dor piora se a pessoa continuar andando, até o ponto que a obriga a parar para descansar. Após alguns minutos de descanso, a dor melhora e a pessoa é capaz de voltar a andar.... até o momento que a dor retorna.

Devido a esse comportamento de andar, parar e andar de novo, os médicos denominaram este sintoma de Claudicação Intermitente.


Esse é o primeiro estágio da doença arterial obstrutiva periférica crônica.


Se a pessoa não se cuidar, continuar fumando, continuar comendo mal, continuar sem fazer exercício físico, não tratar o diabetes, a pressão alta e o colesterol alto, as artérias vão obstruindo uma a uma, até o ponto que o sangue não será mais suficiente para manter o metabolismo normal das células mesmo no repouso. Nessa situação, a dor passa a acontecer mesmo quando a pessoa está parada.


Nesses casos, a situação pode piorar ainda mais, ocorrendo a morte das células. E é isso que leva ao aparecimento de feridas e da gangrena.

A gangrena ocorre pela obstrução das artérias
Gangrena em dedo do pé

Como prevenir a aterosclerose e a obstrução das artérias?


As principais medidas para evitar o problema são:


- Alimentação balanceada: pobre em gorduras, colesterol e alimentos industrializados e rica em frutas, verduras, legumes, cereais integrais e carnes magras. (Saiba mais sobre alimentação adequada no post 'Alimentação e problemas da circulação: o que comer para manter a saúde vascular')


- Prática de exercícios físicos: o exercício físico diminui os níveis de colesterol, diminui a pressão arterial, diminui o aparecimento do diabetes e estimula o aparecimento de novos vasos sanguíneos que compõem a circulação colateral. O recomendado é realizar atividades físicas por 30 minutos, no mínimo 3 vezes por semana.


- Parar de fumar: as substâncias presentes no cigarro agridem o endotélio das artérias, aumentando a deposição de gordura. (aprenda dicas para parar de fumar no post "Eu quero parar de fumar, o que devo fazer?")


- Emagrecer: a obesidade, especialmente a obesidade abdominal, é um fator de risco para a aterosclerose.


- Tratar corretamente de doenças crônicas como o Diabetes Mellitus, a Hipertensão arterial e a Hiperlipidemia (colesterol alto) : é imprescindível o acompanhamento médico, com exames frequentes, ajuste de medicações e modificação dos hábitos de vida. Nada de medir pressão ou glicemia na farmácia e achar que isso é suficiente.


E quando a doença já está instalada, o que dá para fazer?


Se você já tem doença arterial obstrutiva crônica e dores para caminhar ainda dá para correr atrás do prejuízo. Infelizmente, as artérias que estão obstruídas não voltarão a ficar pérvias. Nenhum medicamento, exercício ou mudança de hábito é capaz de fazer isso.


A caminhada é fundamental no tratamento da doença arterial obstrutiva crônica

Porém, se você seguir as orientações que eu falei no item anterior, a chance de a dor para caminhar melhorar e a doença estacionar são muito boas. O consenso médico internacional sobre a doença mostra que 80% dos pacientes mantém a doença estável se modificarem os hábitos de vida após 5 anos de acompanhamento (leia mais aqui). Esses pacientes melhoraram da dor ou mantiveram dor estável e não precisaram realizar nenhuma cirurgia, muito menos uma amputação.


Mas, em 20% dos casos, mesmo fazendo tudo certinho, a doença progrediu, piorando a ponto de causar  piora na qualidade de vida, dor em repouso, feridas e gangrena.

Quando isso ocorre é necessário avaliar as artérias doentes com exames detalhados, como a angiotomografia, a angioressonância magnética ou a arteriografia. Esses exames detectam exatamente onde se encontra e como é a obstrução das artérias e com esse dado, o médico cirurgião vascular é capaz de planejar a cirurgia necessária.


Quando temos uma obstrução arterial há duas formas de resolver o problema do ponto de vista cirúrgico: desobstruir o vaso através da angioplastia (com ou sem colocação de stent) ou pular a obstrução através de uma ponte ou enxerto, que pode ser feito com veia safena ou com próteses artificiais.


A angioplastia é uma alternativa para o tratamento da doença arterial obstrutiva crônica das pernas
Angioplastia com balão

A angioplastia é uma cirurgia feita sem cortes. O médico acessa as artérias através de uma punção como uma agulha grossa e chega até a obstrução através de fios guia e cateteres, navegando no interior dos vasos guiado por imagens de raio-x. Quando chega na área afetada, ele insufla um balão que vai abrir espaço para o sangue passar. Algumas vezes, é necessário colocar uma estrutura de metal maleável, o stent, para manter este espaço aberto. Essa técnica tem ótimos resultados porém não pode ser realizada em todos os casos.


Nos casos em que não é possível permear novamente as artérias com a angioplastia é necessário realizar uma cirurgia maior e mais demorada, em que o cirurgião vascular irá criar um novo caminho para o sangue passar e atingir a área que está carente de oxigênio e nutrientes. Essa cirurgia é chamada de enxerto arterial ou ponte. Essa "ponte" na maioria das vezes é feita com veia safena, que é uma veia superficial que temos na perna, e pode ser retirada sem grandes prejuízos ao corpo. Algumas vezes, o cirurgião prefere utilizar próteses no lugar da veia.


O risco dessas cirurgias é piorar a circulação e levar a amputação do membro, isso vale tanto para a angioplastia quanto para o enxerto arterial. Mesmo quando a cirurgia é realizada da melhor forma e não se comete nenhum erro, isso pode acontecer. É um risco inerente da cirurgia. Por isso que reservamos o tratamento cirúrgico para os casos mais graves, nos quais o tratamento com medicamentos e mudança de hábitos não resolveu e a qualidade de vida do paciente está comprometida pela doença.


Concluindo, a dor nas pernas para caminhar pode ser o indício de uma doença muito séria que pode matar e causar amputação dos membros: a aterosclerose. A aterosclerose é a principal vilã da vida moderna, causada pelos nossos hábitos de vida ruins. Para evitá-la ou diminuir sua progressão é necessário mudar os hábitos: alimentar-se melhor, realizar exercícios físicos, não fumar e tratar das doenças que pioram o problema. O paciente que tem dores nas pernas para caminhar e inicia o tratamento correto, incluindo a mudança dos hábitos, na maioria das vezes melhora da dor e nunca irá precisar de uma cirurgia. Mas se o problema progredir, pode ser necessário realizar a revascularização da perna, através da angioplastia ou do enxerto arterial (ponte de safena). Às vezes, quando nem a cirurgia resolve o problema, a amputação de uma parte ou de toda a perna é inevitável. Para evitar esse desfecho, os portadores de aterosclerose e obstrução arterial precisam de acompanhamento de perto de um cirurgião vascular!

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Sobre a autora


Dra. Juliana Puggina é médica cirurgiã vascular e escreve artigos informativos no blog 'Pernas pra que te quero'. Formada em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com residência médica em Cirurgia Vascular e Doutorado em Ciências (Ph.D.) pela Universidade de São Paulo (USP). Membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e da American Vein & Lymphatic Society.


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